quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

JORNAL VIRTUAL PROFISSÃO MESTRE


Profissao Mestre - Ano 7 Nº 99 - 09/01/2009

Estamos de volta! Como foram as festas? Deu para descansar, tomar sol,
curtir a família, cuidar da casa?

Está na hora de retomar nossas leituras semanais. Começamos bem, com um
texto de Wilson Correia.

Boa leitura.


O rei e a rainha estão nus?

"Pois bem, temos aqui outra tarefa para o educador...: ensinar a trair
racionalmente, em nome da nossa única e verdadeira pertença essencial, a
humana, o que haja de excludente, fechado e maníaco em nossas afiliações
acidentais, por mais confortáveis que estas sejam para os espíritos
acomodados, que não querem mudar de rotinas ou arranjar conflitos" (SAVATER,
O valor de educar, p. 192).

Sabemos a velha história da roupa invisível do rei, o qual, ao vesti-la,
pôs-se a caminhar entre os súditos em pêlo. Esse fato levou uma criança a
acionar o amor à verdade a apontar o dedo: "O rei está nu".
Nosso tempo é outro, mas ainda há reis e rainhas circulando entre nós. Entre
eles estão o rei-professor e a rainha-professora, os quais pensam ter o
suposto direito de vida e morte sobre quem senta na cadeira de aprendente.

Lembro-me de uma professora-rainha diante de um aluno com dificuldade de
aprender, isso na universidade. Essa mestra empregou seu poder verbal para
dizer àquele aluno que ele "faria melhor se fosse vender banana no mercado,
porque ele não servia para o estudo da matéria ministrada por ela". O aluno
ficou arrasado e cometeu o desatino de escolher que a escolha da rainha
prevalecesse sobre ele, pois foi à secretaria da instituição e faz o
trancamento da matrícula.

Presenciei ainda a ação destrutiva de um professor-rei: não conseguindo se
fazer entender por uma turma inteira da educação básica, o docente
desqualificou a todos ao chamá-los de "burros despreparados" e "néscios sem
futuro", os quais "seriam melhor aproveitados como trabalhadores braçais"
(não sei o que pode haver de indigno na profissão dos feirantes, muito menos
na daqueles que enchem nossas mesas de alimentos...). O fato é que também
por conta da fala desse mestre-rei, muitos abandonaram a escola e se
entregaram ao cuidado da própria vida em paragens onde vislumbraram ser
melhor compreendidos e equilibradamente humanizados.
As histórias reais de "pedagogicídio" lembradas anteriormente não são da
época daquele rei denunciado pela criança; estão vivinhos da silva entre
nós.

Precisamos identificá-los bem, tanto para nossa própria defesa quanto para a
prevenção do discentecídio verificado amiúde em nosso sistema formal de
ensino, nos níveis da educação básica e de terceiro grau.
Ademais, a lembrança dessas ocorrências antipedagógicas podem nos levar a
outras reflexões. Por exemplo: o que justifica a existência da escola, do
professor e dos processos de ensino-aprendizagem? De minha parte, creio que
a admissão do "não saber", da "ignorância sadia", que são expressões do "do
desejável sei que não sei", constituem a justificativa para a existência da
instituição de ensino, do profissional da educação e dos atos de aprender e
ensinar. Se todos nascessem sábios iluminados, faria sentido a existência do
aparato educativo mantidos pela sociedade no âmbito da educação formal?

Então, se é a "sábia ignorância" a razão de ser do professor, esse que é
humanamente igual ao estudante, mas epistemologicamente diferente dele por
deter mais experiências com a transmissão, a produção e a aplicação de
conhecimentos, não há porquê continuarmos a aturar os professores-reis e as
professoras-rainhas.

Precisamos dizer a esses equivocados mestres que a roupagem do totalitarismo
pedagógico que vestem e que a capa da tirania epistêmica que ostentam, em
verdade, não lhes protege a vergonha de não dominarem o "como fazer"
(prática) de sua profissão e que isso lhes compromete o "quê" (a teoria) e
coloca abaixo o "para quê" (ética) de sua ocupação.
E se esses pseudo-formadores não têm consciência disso, alguém precisa lhes
dizer: rei e rainha, vossas excelências estão nus.

E, vendo o dedo apontando-lhes o malogro, tomara que tratem de se vestir.
Nossos filhos e filhas que querem aprender e a nação que precisa de homens e
mulheres consistentemente formados para a vida concreta, profissional e
cidadã, agradecem.

Wilson Correia é doutor em Educação pela UNICAMP, professor na Universidade
Federal do Tocantins, Campo Universitário de Arraias, e autor do livro Saber
Ensinar. Contato: wilsoncorreia@uft.edu.br

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